Escravidão em Barra de São Miguel?

Neste dia 13 de maio, o Brasil é marcado pela assinatura da Lei Áurea de 1888 que pôs fim oficialmente a escravidão no país. Aproveitamos a data para mostramos achados nos jornais do século XIX, em que o lugar da Barra de São Miguel- PB é citado junto à escravidão.

Este é um tema que merece muito mais pesquisas, afinal, uma espécie de “borracha” foi passada neste tipo de memória de forma que as novas gerações ao remeterem ao período da escravidão a vê como algo distante, não só temporalmente, mas também territorialmente. Todavia, pelos anúncios de escravos fugidos, podemos encontrar vestígios sobre a escravidão nestas terras.

Voltemos a um tempo onde a propaganda de escravos fugidos eram abertamente publicadas nos jornais do Período. Observemos a capa do "Jornal de Recife", em seu nº 277, de 02 de dezembro de 1869, e o aviso da página 8: 













O Texto diz: 

Desapareceu no dia 1º de Novembro do corrente anno, o escravo Vicente, moço, de bonita figura, bem preto, falla descançada e sempre com riso; este escravo foi vendido pelo Sr. Joaquim Bezerra de Souza Lima, morador na barra de S. Miguel, provincia da Parahiba, ao Sr. Capitão Joaquim Francisco Lavra, e este ao Sr. Tenente-Coronel José Rodrigues de Sena Santos. Roga-se a policia e aos capitães de campo, a apprehensão do dito escravo, pelo que serão bem recompensados, levando o á rua do Imperador n. 40, primeiro andar ou ao engenho Frexeiras.
Recife, 30 de Novembro de 1869.


O escravo Vicente marca seu nome no jornal, não com suas próprias mãos, já que este segmento social não tinha acesso a escrever suas próprias histórias, mas aqui está Vicente em confronto com as leis da época.
Vicente foi um cativo vendido por um "morador da barra de S. Miguel, provincia da Parahyba", o que nos leva a conjecturar que o mesmo pode ter: nascido? ou apenas morado? ou capturado por aqui? Ou nenhuma destas hipóteses, e o mesmo ser apenas uma propriedade inicial de um morador da Barra que o comprou e fez transação no próprio Recife, sem o mesmo ter vindo para esta região.

Não temos como fechar a questão, apenas informar que o mesmo fugiu no dia 01 de novembro de 1869 e esta noticia esteve presente nos jornais dos dias 02,09, 10 e 13 de dezembro. No dia 17 de dezembro temos um acréscimo com a redação da noticia ampliada, como podemos observar na imagem ao lado.

Temos mais fugas no engenho Frexeiras, de Propriedade do Tenente-Coronel José Rodrigues de Sena Santos, de onde já tinha fugido Vicente. São descritos Joaquim (comprado do Sr. Agostinho Leocacio Vieira, de Caruaru) e Francisco (comprado do Sr. Bernardino Soares da Silva, de Correntes - Garanhuns).

Esta notícia figurou no "Jornal de Recife" nos dias 17, 18, 20 e 23 de dezembro de 1869. Para onde teria ido Vicente? Voltou a Barra de São Miguel? Não temos respostas a princípio...

A seguir vamos encontrar outro escravo em rota de colisão com os poderes constituídos: trata-se do escravo José, que no Diário de Pernambuco de 14 de abril de 1881 aparece da seguinte forma:


O Texto diz:

Fugiu do engenho Pimentel, da Comarca do Cabo, o escravo José, preto, magro, ou secco do corpo, de altura mais que regular, pernas finas, pés um pouco apalhetados, pernas um tanto quanto cambêtas, pequena cicatriz na face esquerda, falta de dentes na frente, idade de 20 a 22 annos; ha 11 annos veio da Macahiba, do Rio Grande do Norte, foi dos herdeiros do finado João Martins, é muito ladino, diligente e trabalhador, conhece algumas comarcas do Sul desta provincia, e tinha muito desejo de ir para o sertão, já tem sido tangedor de gado: gratifica-se generosamente a quem leval-o ao referido engenho, ou no armazem de molhados de Oliveira & Irmãos, a rua direita: em Pedras de Fogo, ao collector Florentino Carneiro da Silva: na Barra de S. Miguel ou S. Cruz, ao Sr. capitão Pedro Ferreira Guimarães.

Temos aqui um escravo que não só sonhava com a liberdade, mas lutou pela mesma, com esta fuga. Observe a descrição detalhada de seus aspectos físicos e também até "psicológicos", afinal, José, jovem, "tinha muito desejo de ir para o sertão" e além de "diligente e trabalhador" era "ladino", ou seja, um "indivíduo que revela inteligência, vivacidade de espírito; esperto, cheio de manhas e astúcias; espertalhão", na definição formal do dicionário. Sua história chega até nós por mostrar que aqui poderia ser um ponto para sua entrega, caso capturado, no caso, "na Barra de S. Miguel ou S. Cruz, ao Sr. capitão Pedro Ferreira Guimarães".

Esta notícia foi repetida nos dias 18, 19, 21, 25, 26, 27 e 28 de abril de 1881, no mesmo Diário de Pernambuco. 

Apesar de ainda não encontramos uma fonte que trate diretamente do cotidiano de Barra de São Miguel - PB com a descrição da escravidão, percebe-se que esta não foi uma realidade que este lugar ficou alheio no século XIX, com moradores diretamente envolvidos na venda ou captura de escravos para os engenhos, principalmente pernambucanos.

João Paulo, 13 de maio de 2016.

 FONTE:

Diário de Pernambuco, ano LVII, nº 85, de 14 de abril de 1881.
Jornal de Recife, nº 277, p. 8, de 02 de dezembro de 1869.