Mês junino em Barra de São Miguel, Paraíba: uma tradição em diferentes territórios!

    Chegamos a mais um mês de junho e com ele trazemos uma procura pela identidade nordestina em volta dos festejados Santo Antônio, São João e São Pedro. Que tradições nos legaram as gerações passadas? Como eram celebrados os santos juninos em Barra de São Miguel? Que moradores locais podemos trazer na memória neste momento?

    Para responder estas e outras questões, procuramos um respeitado e animado informante dos tempos juninos de Barra de São Miguel, o sr. Manoel Gomes da Silva, popular Manezim de Euclides. Animado, em sua residência do sítio Mulungu, o clima já está pronto:

Decoração da Vila do Mané - Sítio Mulungu

 
Eis seu relato:

Que memórias você tem de sua infância no São João?

            Quando ainda era guri, lembro que não havia ainda os clubes na cidade, que era muito pequena ainda. O primeiro São João que vi foi ainda no Mercado Público, que era o local onde se faziam as festas. Lembro por causa de uma grande confusão que um cabra armou, batendo até na polícia, rodando um tamborete no ar. Dei uma carreira grande para o lado da casa de Maria de Mário, na esquina em frente da Prefeitura.

            A decoração era simples, só de bandeirola mesmo e lá no ambiente apenas. Agora, nas ruas tinha muitas fogueiras, umas grandes, outras pequenas, mas tinha muita fogueira. Outra coisa era a mesa farta. Até os anos 80 chovia bem e o povo lucrava. A alegria do São João era as mesadas de pamonha, canjica, principalmente nos sítios.

E depois do mercado, como se comemorava o São João?

            Depois começou as festas no Clube. Lembro bem que a principal era no Clube de Hélio, o Diversional Cariri, que não sei quando foi feito, mas lá era bom demais. Tinha um letreiro, assim que passava da entrada, com o nome do Clube. Inclusive, tinha até o “cantinho do namoro”, que era uma calçada que a gente se sentava e ficava olhando pra o mato, pra ali, onde hoje é a casa de Pão...o Clube já começou com umas festas enxeridas, vinha uns conjuntos de Caruaru e era muito bom. Já mais pra o fim, Baêta fez uns anos lá no Clube do Bangu, mas aí, não tinha a rivalidade que tinha na Festa de São Miguel...Na Festa de São Miguel é que a disputa era boa, principalmente por causa da política e cada Clube fazia uma festa maior que a outra, mas a do Diversional Cariri era melhor (Risos). Outra coisa interessante, é que na frente do Diversional Cariri tinha as barracas de comida e bebidas. Na época, as festas tinham um intervalo, porque só era uma banda, nesse momento os componentes iam fazer um lanche e o pessoal aproveitava para comer e beber nessas barracas. Lembro de Antônio Congo, Eraque e já por último Maurício do Ó.

Como as pessoas se preparavam para o São João?

            Na nossa Juventude, a gente se vestia normal, não tinha esse negócio de roupa xadrez, colocava a melhor que tinha, apesar que roupa nova e boa, só na Festa de Setembro (São Miguel). A gente farreava bem nos bares, aí surgia até umas quadrilhas, mas era coisa de antigamente, “Alavantú” e “Anarriê”, não era essas quadrilhas modernas, inclusive marquei umas, que os amigos chamava, até ali na frente do Bar de Cocó ou Ramiro, não lembro de quem já era na época. Era uma farra grande.

Esse era o clima na “rua”. E nos sítios?

            Eita, aí a festança era grande nessa região. Na verdade, tinha pouca gente na rua, porque, por toda essa redondeza as famílias grandes moravam no sítio. Quem tinha condição, mandava os filhos estudar na rua, ou até fora, em outras cidades, mas nesse tempo, tava todo mundo de volta, em casa. Daí, no tempo do São João era aquela festa, muita comida e os forrós de candeeiro. Aí Mané Benjamim, Biu Ardilino, tocaram muito. Zé Carlos, também, em uns tempos mais pra cá... Eram muitos bons os forrós e as fogueiras nos matos. Basicamente, os acompanhamentos eram a concertina, ou os 8 baixos, ou a sanfona, o violão, o pandeiro, a zabumba e o triângulo.

Enfim, qual o roteiro, onde as pessoas se divertiam no mês de junho nesta região de Barra de São Miguel?

            Na verdade, no Santo Antônio, cansei de ir para a Novena de Santo Antônio, nos Pinhões. Naquele tempo, era só a novena mesmo, mas todo mundo ia. Não tinha luz elétrica, por isso eram usados lampiões lá, pra iluminar. Tinha arrematação. Depois foi que começou uma banda de pife, que passava até pelas barracas, mas sem dança. Pra cá, foi que começou a ter forró. O São João, já disse, que tinha os forrós grandes nos sítios, nas casas das famílias grandes. Na rua também tinha no mercado e depois no Clube Diversional e, ainda um bocado de gente ia pra Riacho Fundo, lá era o padroeiro mesmo. O São Pedro era lá em Pedro Né, uma festa grande, porque também coincidia com o aniversário dele, daí ele fazia o São Pedro lá no Sítio Macaco.  A casa ficava tomada de gente.

    Em linhas gerais, essas foram as informações passadas pelo nosso entrevistado, o irreverente Manezim de Euclides. Vejamos uma imagem do mesmo e sua esposa, a professora Adeilda Canejo: 

Casal Manezim e Adeilda

     Agradecemos a disponibilidade e presteza de nosso entrevistado. Optamos por apresentar as memórias de Manezim de Euclides, como uma homenagem neste ano aos festejos juninos em nossa região. Reiteramos que muito ainda precisamos conhecer de nossas tradições e festejos, e a pesquisa histórica e biográfica pode nos apontar determinados conhecimentos importantes deste e outros períodos.

João Paulo França, 24 de junho de 2021

Fonte:

Informações e imagens: Manoel Gomes da Silva. Entrevista em 15 de junho de 2021.

Antônio Silvino em Serra dos Bois, após o ataque à Barra de São Miguel em 1907 (Série Cangaço - nº 4)

Na noite de 26 para 27 de janeiro de 1907, Antônio Silvino e seu bando executou um bem sucedido ataque à Vila de Barra de São Miguel, que à época era sede administrativa do município de Cabaceiras. Sem cerimônia e com astúcia, os cangaceiros fizeram o delegado Nicolau Vitalino Correia de Araújo refém e, ao atender sua voz, os demais soldados, em um total de quatro, foram rendidos e desarmados em suas residências. 

Sem reação, rumaram para a casa de Manoel Henrique do Nascimento Araujo, escrivão da Mesa de Rendas, órgão de cobrança de impostos da época, e saquearam os recursos da repartição, queimando em seguida os papeis oficiais. A ação prosseguiu com assalto aos comerciantes e moradores locais, nomeadamente, os senhores Cândido Casteliano dos Santos e Olyntho José de Vasconcelos. Ao final, "solicitaram e tomaram café", já na madrugada, na residência do sr. Manoel Melchiades Pereira Tejo, tabelião e político local.

Todavia, para onde teria se dirigido Antônio Silvino e o bando após este ataque? O Jornal Pequeno, de Recife, no dia 07 de fevereiro de 1907 nos diz:

"Antonio Silvino na Serra do Boi"

Temos notícias frescas sobre Antonio Silvino e seu grupo de cangaceiros.

Após haver incendiado, - ao seu ódio a tudo quanto cheira a impostos, - a Mesa de rendas do logar Barra de S. Miguel, 8 legoas distante de Taquaretinga, Silvino dirigio-se para o povoado denominado Serra do Boi, 3 ½ legoas apenas da Barra de S. Miguel.

Em Serra do Boi, Silvino mandou um recado a um alferes policia, de nome Menezes, o qual anda com uma força em seu encalço, dizendo-lhe que estava a sua espera naquele lugar.

Ao passo que mandava este recado, Silvino destruía em diversos pontos a linha telegráfica entre Bom Jardim e Taquaretinga.

O sr. Francisco Vieira de Assis, negociante nesse último logar, por este motivo ficou ante-hontem impedido de passar um telegrama para uma casa commercial nesta praça.

O sr. Amaro Coelho, negociante de Taquaretinga, ao voltar da feira de Gravatá, encontrou-se no caminho com o grupo de Silvino, recebendo algumas bordoadas e ficando com diversos objectos quebrados que comprara na feira."

Esta foi a notícia que nos mostra uma possível rota da fuga de Antônio Silvino e seu bando. A seguir, vejamos um cenário da comunidade de Serra dos Bois:

Casa que pertenceu a Ludugero da Cunha Porto- Arquivo pessoal

Situado na divisa estadual, o povoado de Serra dos Bois localiza-se no lado pernambucano da fronteira, já no município de Taquaritinga do Norte, que à época era designado apenas como "Taquaretinga". Ao norte do mesmo, temos o sítio Barrocas, já no atual território paraibano de Barra de São Miguel. 

O registro desta fotografia é do ano de 2016, com destaque para uma residência já existente no período da ação destacada pelo Jornal Pequeno, de 1907. Em relatos de moradores da região, o convívio e a passagem de cangaceiros, como Antônio Silvino, ainda é tema das conversas que os habitantes atuais escutaram de seus pais, avós e bisavós.

O advogado Antônio Martins de Farias, morador de Serra dos Bois, nos informa que a referida residência é uma das mais antigas da comunidade e era propriedade de seu bisavô, o sr. Ludugero da Cunha Porto, casado com a sra. Maria Zita de Jesus. Provavelmente, a edificação é dos anos finais da década de 1880, tendo em vista que uma das filhas do casal, "Lina", nasceu neste período. 

Prosseguindo, o sr. Antônio Martins de Farias, nos traz o interessante relato que, Ludugero da Cunha Porto, também era conhecido como "Padrinho Ludugero" e faleceu em 1913. Provavelmente, era um jovem letrado no período e que, após o advento da República, em 1889 e a instituição do casamento civil  no Brasil, logo procurou também registrar sua união com a sra. Maria Zita de Jesus no cartório. Ela, conhecida por "Mãe Zita", faleceu na década de 1960.

Em tempo, ressalto a importância dos dados apresentados, tendo em vista meu próprio envolvimento familiar com os personagens, pois, meu avô, João de França Pontes (1934-2008), filho de Amaro de França Pontes (1877-1954) e Francisca Ludgero da Cunha (1898-1990) era bisneto, pelo lado materno, do referido casal proprietário da residência que ilustra essa matéria aqui descrita. 

Avancemos, entrelaçando os conhecimentos históricos familiares, locais e regionais.

 João Paulo França, 16 de junho de 2021

Fonte:

Imagem de Arquivo pessoal

Informações do sr. Antônio Martins de Farias. 

Jornal A Republica, Natal, 13 de fevereiro de 1907. Ano 19, nº 33

Jornal Pequeno, Recife, quarta-feira, 06 de fevereiro de 1907. Ano 9, nº 30.

 

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Antônio Silvino em Gravatá de Jaburu, Tanque Raso e Riacho de Santo Antônio (Série Cangaço nº 3)

Antônio Silvino em Gravatá de Jaburu, Tanque Raso e Riacho de Santo Antônio (Série Cangaço nº 3)

Nossa série sobre as passagens do bando de Antônio Silvino por Barra de São Miguel e suas adjacências, segue com uma interessante notícia que narra atividades do cangaceiro nas localidades de Gravatá de Jaburu, atual Gravatá de Ibiapina, no território pernambucano, além de Tanque Raso e Riacho de Santo Antônio na Paraíba, tudo isto no ano de 1905. 

Vejamos os relatos do Jornal A Província, de Recife:

ANTONIO SILVINO

Está residindo em Gravatá de Jaburú ou descançando um pouco de suas viagens o celebre capitão Antônio Silvino, capitão de numerosa quadrilha de gatunos e de assassinos.

Gravatá de Jaburú pertence ao município de Taquaretinga, o que prova as sympathias de Antonio Silvino pelas terras de Pernambuco e vizinhanças da Parahyba e de outros logares onde as autoridades policiaes fornecem-lhe cavalos e armas, munições e banquetes e auxiliam gentilmente a colheita dos saques, como em Surubim, Queimadas, S. Vicente e outros pontos de recreio do bando.

Erguem-se em Pernambuco as sete quintas do poderoso salteador que há oito annos afronta a liga de dois governos contra o seu grupo de bandidos, hontem de três ou quatro e hoje de dez ou doze e amanha de cincoenta ou cem.

As ultimas noticias nos informam do assalto á casa de uma viúva e do roubo de joias e dinheiro de importância de mais de quatro contos de réis.

Antonio Silvino e seus parceiros demoraram-se três dias numa fazenda no logar Tanque-fundo, Barra de S. Miguel, estado da Parahyba. Ahi exigiram do dono da propriedade um conto de rés em paga da honra da hospedagem. Recebendo apenas 600$000 esperou que o fazendeiro vendesse alguns bois para inteirar a somma fixada.

Um dos assassinos e ladrões da quadrilha, não sabemos porque motivos – a carta de nosso informante não explica – incorreu no ódio de Antonio Silvino e foi, para exemplo dos outros, cruelmente fuzilado quando ainda o ‘capitão’ se achava em Tanque Raso.

Executada a pena de morte, os bandidos enterraram, com a maior solenidade, o cadáver do criminoso no cemitério da capella de Santo Antonio.

Em perseguição de Antonio Silvino, por ordem do governo da Parahyba, existia nas imediações de Tanque Raso uma força de sete praças, que ao se inteirar dessa e de outras ocorrências tomou o alvitre cauteloso de encaminhar-se para Cabaceiras e Campina Grande, pontos diametralmente opostos ao referido logarejo.

Sahindo de Tanque Raso, Antonio Silvino e a sua comitiva dirigiram-se para Taquaretinga, e em Gravatá de Jaburu o ‘capitã’ trata de escolher outro pouso de igual segurança.

Nazareth? Bom Jardim? Timbaúba?

Não sabe ainda... Elle e os outros ficam tão a commode nesses municípios que vacilam na escolha para não causarem ciúmes ou desgostos.

<... Peçam providencias, denunciem o homizio de Antonio Silvino...>

Quem nos escreveu a carta de Taquaretinga, sem duvida ignora que nós nos extenuamos a fazer essas cousas há muitos anos e até hontem nada ainda conseguimos.

Há poucos dias um subdelegado hospedou Antonio Silvino e mais uma dúzia de cangaceiros, deu-lhes cavalos, auxiliou-os nas extorsões de dinheiro e continua no cargo, prestando desses e de outros serviços á politica que felizmente nos governa.

Resigne-se o nosso missivista: se a quadrilha de Antonio Silvino bater-lhe a porta despeje os bolsos e a gaveta e depois morra de um tiro ou de dez facadas.

A policia de Pernambuco e a policia da Parahyba não marcham ás nossas ordens nem ás ordens dos que vivem em continuo sobresalto a receitar as visitas de celebre ‘capitão’."

O relato é bastante minucioso e cita não só os locais de passagem e moradia do bando, como aponta para as proteções e "acoitamentos" que o mesmo recebia na região. Apreciemos uma visão geral de Tanque Raso:

Vista da região do Povoado de Tanque Raso

Inserimos esta visão a partir do Google Maps, para indicar a proximidade e divisa que os atuais municípios de Riacho de Santo Antônio e Barra de São Miguel fazem nesta região paraibana que à época pertenciam ao município de Cabaceiras. Por sua vez, a localidade fica a poucos quilômetros do atual Distrito de Gravatá de Ibiapina, já em Taquaritinga do Norte, Pernambuco. Em 1905, ainda era conhecido por Gravatá de Jaburu, um nome que remetia a um riacho local. Tendo em vista as obras sociais do Padre Ibiapina, no século XIX na localidade, o poder público renomeou o distrito, homenageando o referido religioso.

João Paulo França, 07 de junho de 2021

Fonte:

A PROVÍNCIA. Recife, sábado 18 de novembro de 1905. Ano 28, nº 260, p. 1.
Google Maps. Print de imagem com adaptação da localidade de Tanque Raso.  
 
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