A Filarmônica de Barra de São Miguel é centenária! (Parte 5)

No mês de abril, época em que tradicionalmente a filarmônica de Barra de São Miguel comemora seu aniversário de fundação, rememorando a data de 26 de abril de 1964, nosso portal de memórias volta a esta temática, para mais uma vez apresentar elementos que alargam este período temporal e reafirmar a nossa compreensão que a música nesta cidade na realidade está completando 110 anos de história neste ano de 2017.
Vejamos mais uma evidência da origem da banda musical barrense. Trata-se de um processo-crime. Antecipadamente agradecemos a contribuição do amigo pesquisador Ginaldo Nóbrega, que no arquivo do Fórum da Justiça de Cabaceiras encontrou a seguinte passagem no processo acerca do assassinato do cidadão João Rodrigues de Oliveira "Purgão", mais conhecido por "João Purgão". Este depoimento  se dá aos 27 dias do mês de fevereiro do ano de 1908, e o escrivão é o conhecido Manoel Melchíades Pereira Tejo. Observe:

Processo Crime - Fórum de Cabaceiras-PB, parte da páginas 15 e seu verso.
Estes recortes são do final da página 15 e seu verso do referido processo. Conseguimos fazer a seguinte leitura deste depoimento da 1ª Testemunha:

Francisco de Assis Pereira Tejo Sobrinho, com idade de trinta e um anos, artista, casado, morador desta vila, de onde é natural e aos costumes nada disse: testemunha jurada aos Santos Evangelhos, em um livro (?), em que pos sua mão direita e prometeu dizer a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado. E, sendo inquirido sobre o facto constante da denuncia de folhas (?), que (?) lhe foi lida e bem declarada, dizer que as oito horas, pouco mais ou menos da noite do dia vinte sete de setembro ultimo, sahindo da novena que ali se fasia, com a banda de musica que maestrava e tendo esta feito circulo entre a casa do Conselho Municipal e o estabelecimento de Candido Casteliano dos Santos, ouviu do lado desta os estampidos de dois tiros e logo se debandaram os músicos, que precisando saber o que havia, foi logo informado de que os soldados denunciados Angelino Soares de Figueiredo e Jose Teixeira de Brito, haviam atirado em João Rodrigues de Oliveira Purgão; que apesar de achar-se em pequena distância não viu os mesmos denunciados porque sendo (?), a sua vista não alcançava, sabendo que o dito purgão foi atingido pelos projectus, de cujos ferimentos faleceu de madrugada na mesma noite. (...) (Grifo nosso)
 
O ano é 1907, no dia 27 de setembro, ou seja, na antevéspera do dia da Festa de São Miguel (29 de setembro). Este depoimento é fulminante para conhecermos um pouco das sociabilidades daquele período. Temos, pela palavra de Francisco de Assis Pereira Tejo Sobrinho, por volta das 08:00 horas da noite, uma novena (provavelmente em alusão a Festa de São Miguel), e saindo desta, o mesmo, com a banda de música que maestrava, fez um percurso muito parecido com o que a filarmônica faz até os dias de hoje: tendo esta feito circulo entre a casa do Conselho Municipal e o estabelecimento de Candido Casteliano dos Santos. Vale ressaltar que este estabelecimento de Cândido Casteliano fica onde hoje é a primeira casa da Rua Thomaz de Aquino, em frente ao prédio da prefeitura.

Como era de se esperar, quando se ouviu do lado desta (a banda) os estampidos de dois tiros, logo se debandaram os músicos. Com certeza, aquele ano de 1907 não estava fácil para os moradores de Barra de São Miguel: não esqueçamos que, em 26 de janeiro, Antônio Silvino e seu bando atacaram a Vila e já no mês de setembro, dia 17, a Lei 264 voltava a sede do Município e Termo para Cabaceiras. Agora, com este assassinato, provavelmente, a festa já não teria o mesmo brilho.
Assim, no dia seguinte, 28 de Setembro, a "Subdelegacia de Polícia do Distrito de Barra de São Miguel", por intermédio de Amaro Samuel de Castro (Subdelegado – 2º Suplente), abria o inquérito com as seguintes informações: "Tendo sido ferido á balas, hontem as 10 horas da noite, o infeliz João de Tal, conhecido por João Purgão, o qual, em consequência de taes ferimentos, faleceu as duas horas da madrugada do dia de hoje (...)" (p. 5 do processo-crime). Esta foi a abertura do inquérito para realizar o respectivo "corpo de delicto". Ao longo do processo ficamos sabendo que os acusados foram os próprios "soldados do batalhão de segurança destacado na villa, de nomes Angelino Soares de Figueiredo e José Teixeira de Brito". Em sentença de 23 de março de 1908, o Presidente do tribunal Faustino Cavalcante Albuquerque, em conformidade das decisões do júri, absorveu os réus.

Voltando ao centro de nossa discussão, ou seja, a banda de música de Barra de São Miguel, observamos que foram chamadas cinco testemunhas para o caso e, destas, três declaravam como profissão serem "artista", o que nos leva a reforçar a compreensão que tais pessoas eram na verdade músicos da banda que presenciaram ou pelo menos ouviram os "estampidos" dos tiros. Vejamos quem eram estes:

1ª Testemunha: Francisco de Assis Pereira Tejo Sobrinho, com idade de trinta e um anos, artista, casado, morador desta vila, de onde é natural (p. 15 do processo-crime)
4ª Testemunha: José Gomes Henriques, com vinte seis anos de idade, solteiro, artista, morador nesta vila. (verso da p. 19 do processo-crime)
5ª Testemunha: Salviano Pereira de Oliveira, com quarenta e quatro anos de idade, viúvo, artista, morador nesta vila. (verso da p. 20 do processo-crime)

Observe que, além de se declarar "artista", tais pessoas também deixam claro que são "morador nesta vila" (Barra de São Miguel), o que reforça a nossa compreensão que são músicos da Barra que, consequentemente, faziam parte dos pioneiros da filarmônica local.

A pesquisa histórica é importante para compreendermos o nosso passado. De certa forma, este processo-crime confirma que a banda de música de Barra de São Miguel é do ano de 1907, conforme já publicou o Sr. Agnelo Pedrosa, na escrita de suas memórias. Vejamos:

Imagem 2 - Livro "História lendária de Barra de São Miguel"

Nosso intuito não é descaracterizar e muito menos diminuir a importância histórica dos inúmeros cidadãos e cidadãs que contribuíram para a reabertura da banda de música na cidade de Barra de São Miguel em 1964. Antes, porém, temos o desejo de fazer justiça com os pioneiros moradores da pequena Vila de Barra, que nas primeiras décadas do século XX criaram e mantiveram uma banda de música nesta cidade.

Por fim, mais uma vez afirmamos que a banda de música de Barra de São Miguel é centenária, assim como outras agremiações musicais da região, como as bandas Dom Luiz de Brito e Padre Ibiapina, ambas de Taquaritinga do Norte-PE e a banda Novo Século de Santa Cruz do Capibaribe- PE.

João Paulo França, 19 de abril de 2017


Fonte:

Arquivo do Fórum de Cabaceiras-PB. Processo-crime do assassinato de João Rodrigues de Oliveira "Purgão" (1907).
Jornal A República. Antônio Silvino- A última façanha. Dia 13 de fevereiro de 1907.
PEDROSA, Agnelo.  História Lendária de Barra de S. Miguel - Recordações de Agnelo Pedrosa. São Paulo: Ingral Indústria Gráfica Ltda. 
Relatórios dos Presidentes dos Estados Brasileiros - Mensagem do Presidente Walfredo Leal. Ano 1908


Leia também:

A filarmônica de Barra de São Miguel é centenária (parte 1)

A filarmônica de Barra de São Miguel é centenária (parte 2)

A filarmônica de Barra de São Miguel é centenária (parte 3)

A filarmônica de Barra de São Miguel é centenária (parte 4)


Casamentos no início do século XX em Barra de São Miguel - PB

O nosso portal de memórias é construído coletivamente com a contribuição dos leitores, seja com informações e arquivos pessoais, seja com fotografias e imagens de Barra de São Miguel. Todavia, não nos limitamos apenas a estas fontes e também pesquisamos em diversos meios digitais e arquivos físicos, como o Fórum, as Câmaras Municipais, os livros paroquiais, etc.

A introdução desta nossa conversa é para mostrar duas descobertas que realizamos recentemente, com o auxílio de muitas pessoas que administram ou simplesmente amam a pesquisa histórica.

Os leitores mais atentos devem lembrar destes dois casamentos que passamos a mostrar:

Casamento 01 - Na matéria A Primeira Fotografia no Município de Barra de São Miguel? (Acesse aqui) mostramos uma matéria do Jornal "O Malho" na edição nº 374 de 13 de novembro de 1909. Segue a imagem: 

Imagem 01

Após pesquisa no Livro de Casamentos da Paróquia de Cabaceiras, a qual a Barra de São Miguel pertencia à época da fotografia, encontramos o seguinte registro:

Imagem 02

 Neste documento de época, conseguimos fazer a seguinte leitura:

Aos vinte dois dias  de setembro de mil novecentos e nove, depois de feitas as proclamações de estilo, na Fazenda Bichinho, dei minha licença perante as testemunhas João Jorge Pereira Tejo e Octaviano Pereira Tejo, o vigário João Tavares de Moura assistiu ao recebimento matrimonial dos (?) Eduardo Ferreira filho legítimo de Quirino Eduardo Ferreira, falecido, e dona Joaquina da Conceição, com Maria Melchiades Ferreira Pedrosa, filha legitima de Pedro Ferreira Pedrosa e dona Maria Melchiades Pedrosa. O nubente é natural e morador na Freguesia de São João do Cariry, a nubente é natural e moradora nesta Freguesia. No dia seguinte celebrei missa pelos (?), e dei as bênçãos (?): para constar fiz este que assigno. Vigario José Cabral


Para facilitar a exposição nesta matéria, colocamos na mesma imagem o final da página 88 e o início da página seguinte, do citado "Livro de Casamentos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição e São Bento, de Cabaceiras". Com esta pesquisa complementar conseguimos ampliar nosso conhecimento deste evento retratado na imagem do jornal. 
Nos chama a atenção que o casamento aconteceu em 22 de setembro de 1909 e pouco tempo depois, em 13 de novembro do mesmo ano, já estava em uma das páginas do jornal carioca, "O Malho", o que certamente reforça nossa compreensão acerca da influência econômica e financeira da família Tejo na região. Por hora, esta continua a ser a imagem datada mais antiga que encontramos sobre Barra de São Miguel.


Imagem 03

Esta fotografia é do arquivo particular da Sra. Ermira Maria de Fátima Pinto e com as informações desta e da Sra. Maria das Dores Quirino (Dorinha de Bibi), conseguimos estimar sua datação na segunda década do século XX. Estas informações iniciais foram primordiais para encontramos o seguinte registro no "Livro de Casamentos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição e São Bento, de Cabaceiras":

Imagem 04
 Neste fragmento, podemos ler:

Aos desessete de Dezembro de mil novecentos e quatorze na Fazenda São Francisco perante as testemunhas Francisco Alexandre dos Santos e Luis Alves da Silva, casamento de Joaquim Quirino Ferreira e Maria Ferreira Canejo, ele filho legitimo de Quirino Eduardo Ferreira e Joaquina Maria da Conceição, natural e residente na Freguesia de S. João do Cariry; ella filha legitima de Francisco Ezequiel Pereira Canejo, falecido, e Theresa Pereira de Jesus, natural e residente nesta Freguesia. Para constar foi assento que assigno. Vigário José Cabral.

Mais uma vez optamos por unir os fragmentos do final da página 163, com o início da página seguinte do livro pesquisado. Com este documento chegamos enfim a datação correta da Imagem 03, que seria do dia 17 de dezembro de 1914.
Nos chama a atenção que, passados cinco anos de um casamento para outro, os cenários são diferentes, (Fazenda Bichinho, o primeiro e, Fazenda São Francisco, o segundo), mas há coincidência que os noivos são irmãos, no caso, Eduardo Ferreira e Joaquim Quirino Ferreira, são filhos de Quirino Eduardo Ferreira e Joaquina Maria da Conceição, ambos declarados como "natural e residente na Freguesia de S. João do Cariry".

Para concluir externamos nossos agradecimentos a todos que colaboraram com as imagens e informações, em especial, pelo incentivo e disponibilidade à pesquisa, agradeço ao Padre João Jorge Rietveld, que atualmente está a frente da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição e São Bento de Cabaceiras.

João Paulo França, 12 de abril de 2017

Fonte:


Acervo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição e São Bento de Cabaceiras. Livro de Casamentos, número 04.
Acervo particular e entrevista com a Sra. Ermira Maria de Fátima Pinto em 10 de maio de 2016.
Entrevista da Sra. Maria das Dores Quirino (Dorinha de Bibi) em 31 de maio de 2016. 
Jornal “O Malho”. Casamentos no Interior. Rio de Janeiro, edição nº 374 de 13 de novembro de 1909, disponível em http://memoria.bn.br.