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  • Antônio Silvino em Cabaceiras, Paraíba, no ano de 1907 (Série Cangaço - nº 5)

     No início do século XX encontramos nos jornais de época diversas menções às passagens do bando de Antônio Silvino pelo grande município de Cabaceiras-PB, em regiões que posteriormente se emancipariam politicamente. Todavia, a Vila também era ponto de ataque dos cangaceiros, como veremos a seguir nesta nota do Jornal Pequeno, publicação editada na cidade de Recife-PE. Eis o relato:

    Antonio Silvino – Novas Proesas

    O famigerado caudilho Antonio Silvino tem ultimamente o seu grupo composto de 6 cangaceiros, todos bem municiado de rifles e cartucheiras.

    Em dias da semana passada, Antonio Silvino, acompanhado de seus sequazes, visitou a villa de Cabaceiras, do vizinho Estado do norte, e foi a casa do vigário, a quem exigiu a quantia  de 1:000$000.

    Pessoa chegada dalli, na segunda-feira ultima, nos informou que o padre não poude satisfazer a exigência do bandido e para não ser victima, implorou-lhe perdão.

    Em seguida, Antonio Silvino foi a casa de um sr. Demetrio, cobrador de impostos e, não o encontrando, exigiu certa quantia da esposa do mesmo, conseguindo apenas obter 4$000. 

    Como achasse muito pouco o dinheiro, o cangaceiro deu-o a uma velhinha.

    Dali seguiu para a casa do fazendeiro Quincas Cavalheiro e solicitou 200$000.

    O fazendeiro somente lhe entregou a quantia de 60$000, pois era o que tinha na ocasião.

    Antonio Silvino retirou-se, depois de haver dito ao fazendeiro que iria buscar o resto na segunda-feira ultima.

    Esta é uma interessante narrativa que apresenta possíveis itinerários da ação do bando na Vila. Não temos maiores detalhes acerca da possível resistência local ou mesmo fuga dos cangaceiros, tendo em vista que o informante do Jornal Pequeno não tratou de tais aspectos.

    Por fim, vejamos um cenário ilustrativo de Cabaceiras, Paraíba, na primeira metade do século XX:

    Este é um registro da Revista Era Nova do dia 15 de novembro de 1921. Na legenda se lê "Rua 9 de julho". Conjecturo ser uma imagem que tem ao fundo a Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Ressalto que se trata de uma paisagem de período posterior da ação do bando de Antônio Silvino, utilizada nesta matéria como cenário ilustrativo do aspecto urbano e do cotidiano cabaceirense nas primeiras décadas do século XX.

    João Paulo França, em 13 de julho de 2021

    Fonte:

    Jornal Pequeno, Recife, sexta-feira, 22 de novembro de 1907, número 265, ano 9, página 2.

    Revista Era Nova. Edição de 15 de novembro de 1921 e do ano de 1922. Disponível em: http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/acervo.htm. Acesso em 10 de março de 2017

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    Antônio Silvino em Serra dos Bois, após o ataque à Barra de São Miguel em 1907 (Série Cangaço - nº 4)

    Antônio Silvino em Serra dos Bois, após o ataque à Barra de São Miguel em 1907 (Série Cangaço - nº 4)

    Na noite de 26 para 27 de janeiro de 1907, Antônio Silvino e seu bando executou um bem sucedido ataque à Vila de Barra de São Miguel, que à época era sede administrativa do município de Cabaceiras. Sem cerimônia e com astúcia, os cangaceiros fizeram o delegado Nicolau Vitalino Correia de Araújo refém e, ao atender sua voz, os demais soldados, em um total de quatro, foram rendidos e desarmados em suas residências. 

    Sem reação, rumaram para a casa de Manoel Henrique do Nascimento Araujo, escrivão da Mesa de Rendas, órgão de cobrança de impostos da época, e saquearam os recursos da repartição, queimando em seguida os papeis oficiais. A ação prosseguiu com assalto aos comerciantes e moradores locais, nomeadamente, os senhores Cândido Casteliano dos Santos e Olyntho José de Vasconcelos. Ao final, "solicitaram e tomaram café", já na madrugada, na residência do sr. Manoel Melchiades Pereira Tejo, tabelião e político local.

    Todavia, para onde teria se dirigido Antônio Silvino e o bando após este ataque? O Jornal Pequeno, de Recife, no dia 07 de fevereiro de 1907 nos diz:

    "Antonio Silvino na Serra do Boi"

    Temos notícias frescas sobre Antonio Silvino e seu grupo de cangaceiros.

    Após haver incendiado, - ao seu ódio a tudo quanto cheira a impostos, - a Mesa de rendas do logar Barra de S. Miguel, 8 legoas distante de Taquaretinga, Silvino dirigio-se para o povoado denominado Serra do Boi, 3 ½ legoas apenas da Barra de S. Miguel.

    Em Serra do Boi, Silvino mandou um recado a um alferes policia, de nome Menezes, o qual anda com uma força em seu encalço, dizendo-lhe que estava a sua espera naquele lugar.

    Ao passo que mandava este recado, Silvino destruía em diversos pontos a linha telegráfica entre Bom Jardim e Taquaretinga.

    O sr. Francisco Vieira de Assis, negociante nesse último logar, por este motivo ficou ante-hontem impedido de passar um telegrama para uma casa commercial nesta praça.

    O sr. Amaro Coelho, negociante de Taquaretinga, ao voltar da feira de Gravatá, encontrou-se no caminho com o grupo de Silvino, recebendo algumas bordoadas e ficando com diversos objectos quebrados que comprara na feira."

    Esta foi a notícia que nos mostra uma possível rota da fuga de Antônio Silvino e seu bando. A seguir, vejamos um cenário da comunidade de Serra dos Bois:

    Casa que pertenceu a Ludugero da Cunha Porto- Arquivo pessoal

    Situado na divisa estadual, o povoado de Serra dos Bois localiza-se no lado pernambucano da fronteira, já no município de Taquaritinga do Norte, que à época era designado apenas como "Taquaretinga". Ao norte do mesmo, temos o sítio Barrocas, já no atual território paraibano de Barra de São Miguel. 

    O registro desta fotografia é do ano de 2016, com destaque para uma residência já existente no período da ação destacada pelo Jornal Pequeno, de 1907. Em relatos de moradores da região, o convívio e a passagem de cangaceiros, como Antônio Silvino, ainda é tema das conversas que os habitantes atuais escutaram de seus pais, avós e bisavós.

    O advogado Antônio Martins de Farias, morador de Serra dos Bois, nos informa que a referida residência é uma das mais antigas da comunidade e era propriedade de seu bisavô, o sr. Ludugero da Cunha Porto, casado com a sra. Maria Zita de Jesus. Provavelmente, a edificação é dos anos finais da década de 1880, tendo em vista que uma das filhas do casal, "Lina", nasceu neste período. 

    Prosseguindo, o sr. Antônio Martins de Farias, nos traz o interessante relato que, Ludugero da Cunha Porto, também era conhecido como "Padrinho Ludugero" e faleceu em 1913. Provavelmente, era um jovem letrado no período e que, após o advento da República, em 1889 e a instituição do casamento civil  no Brasil, logo procurou também registrar sua união com a sra. Maria Zita de Jesus no cartório. Ela, conhecida por "Mãe Zita", faleceu na década de 1960.

    Em tempo, ressalto a importância dos dados apresentados, tendo em vista meu próprio envolvimento familiar com os personagens, pois, meu avô, João de França Pontes (1934-2008), filho de Amaro de França Pontes (1877-1954) e Francisca Ludgero da Cunha (1898-1990) era bisneto, pelo lado materno, do referido casal proprietário da residência que ilustra essa matéria aqui descrita. 

    Avancemos, entrelaçando os conhecimentos históricos familiares, locais e regionais.

     João Paulo França, 16 de junho de 2021

    Fonte:

    Imagem de Arquivo pessoal

    Informações do sr. Antônio Martins de Farias. 

    Jornal A Republica, Natal, 13 de fevereiro de 1907. Ano 19, nº 33

    Jornal Pequeno, Recife, quarta-feira, 06 de fevereiro de 1907. Ano 9, nº 30.

     

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    Antônio Silvino em Gravatá de Jaburu, Tanque Raso e Riacho de Santo Antônio (Série Cangaço nº 3)

    Antônio Silvino em Gravatá de Jaburu, Tanque Raso e Riacho de Santo Antônio (Série Cangaço nº 3)

    Nossa série sobre as passagens do bando de Antônio Silvino por Barra de São Miguel e suas adjacências, segue com uma interessante notícia que narra atividades do cangaceiro nas localidades de Gravatá de Jaburu, atual Gravatá de Ibiapina, no território pernambucano, além de Tanque Raso e Riacho de Santo Antônio na Paraíba, tudo isto no ano de 1905. 

    Vejamos os relatos do Jornal A Província, de Recife:

    ANTONIO SILVINO

    Está residindo em Gravatá de Jaburú ou descançando um pouco de suas viagens o celebre capitão Antônio Silvino, capitão de numerosa quadrilha de gatunos e de assassinos.

    Gravatá de Jaburú pertence ao município de Taquaretinga, o que prova as sympathias de Antonio Silvino pelas terras de Pernambuco e vizinhanças da Parahyba e de outros logares onde as autoridades policiaes fornecem-lhe cavalos e armas, munições e banquetes e auxiliam gentilmente a colheita dos saques, como em Surubim, Queimadas, S. Vicente e outros pontos de recreio do bando.

    Erguem-se em Pernambuco as sete quintas do poderoso salteador que há oito annos afronta a liga de dois governos contra o seu grupo de bandidos, hontem de três ou quatro e hoje de dez ou doze e amanha de cincoenta ou cem.

    As ultimas noticias nos informam do assalto á casa de uma viúva e do roubo de joias e dinheiro de importância de mais de quatro contos de réis.

    Antonio Silvino e seus parceiros demoraram-se três dias numa fazenda no logar Tanque-fundo, Barra de S. Miguel, estado da Parahyba. Ahi exigiram do dono da propriedade um conto de rés em paga da honra da hospedagem. Recebendo apenas 600$000 esperou que o fazendeiro vendesse alguns bois para inteirar a somma fixada.

    Um dos assassinos e ladrões da quadrilha, não sabemos porque motivos – a carta de nosso informante não explica – incorreu no ódio de Antonio Silvino e foi, para exemplo dos outros, cruelmente fuzilado quando ainda o ‘capitão’ se achava em Tanque Raso.

    Executada a pena de morte, os bandidos enterraram, com a maior solenidade, o cadáver do criminoso no cemitério da capella de Santo Antonio.

    Em perseguição de Antonio Silvino, por ordem do governo da Parahyba, existia nas imediações de Tanque Raso uma força de sete praças, que ao se inteirar dessa e de outras ocorrências tomou o alvitre cauteloso de encaminhar-se para Cabaceiras e Campina Grande, pontos diametralmente opostos ao referido logarejo.

    Sahindo de Tanque Raso, Antonio Silvino e a sua comitiva dirigiram-se para Taquaretinga, e em Gravatá de Jaburu o ‘capitã’ trata de escolher outro pouso de igual segurança.

    Nazareth? Bom Jardim? Timbaúba?

    Não sabe ainda... Elle e os outros ficam tão a commode nesses municípios que vacilam na escolha para não causarem ciúmes ou desgostos.

    <... Peçam providencias, denunciem o homizio de Antonio Silvino...>

    Quem nos escreveu a carta de Taquaretinga, sem duvida ignora que nós nos extenuamos a fazer essas cousas há muitos anos e até hontem nada ainda conseguimos.

    Há poucos dias um subdelegado hospedou Antonio Silvino e mais uma dúzia de cangaceiros, deu-lhes cavalos, auxiliou-os nas extorsões de dinheiro e continua no cargo, prestando desses e de outros serviços á politica que felizmente nos governa.

    Resigne-se o nosso missivista: se a quadrilha de Antonio Silvino bater-lhe a porta despeje os bolsos e a gaveta e depois morra de um tiro ou de dez facadas.

    A policia de Pernambuco e a policia da Parahyba não marcham ás nossas ordens nem ás ordens dos que vivem em continuo sobresalto a receitar as visitas de celebre ‘capitão’."

    O relato é bastante minucioso e cita não só os locais de passagem e moradia do bando, como aponta para as proteções e "acoitamentos" que o mesmo recebia na região. Apreciemos uma visão geral de Tanque Raso:

    Vista da região do Povoado de Tanque Raso

    Inserimos esta visão a partir do Google Maps, para indicar a proximidade e divisa que os atuais municípios de Riacho de Santo Antônio e Barra de São Miguel fazem nesta região paraibana que à época pertenciam ao município de Cabaceiras. Por sua vez, a localidade fica a poucos quilômetros do atual Distrito de Gravatá de Ibiapina, já em Taquaritinga do Norte, Pernambuco. Em 1905, ainda era conhecido por Gravatá de Jaburu, um nome que remetia a um riacho local. Tendo em vista as obras sociais do Padre Ibiapina, no século XIX na localidade, o poder público renomeou o distrito, homenageando o referido religioso.

    João Paulo França, 07 de junho de 2021

    Fonte:

    A PROVÍNCIA. Recife, sábado 18 de novembro de 1905. Ano 28, nº 260, p. 1.
    Google Maps. Print de imagem com adaptação da localidade de Tanque Raso.  
     
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